Uma dose de Zaffaroni.
A essencia do tratamento diferenciado que se atribui ao inimigo consiste em que o direito lhe nega a sua condição de pessoa. Ele só é considerado sob o aspecto de ente perigoso ou daninho. Por mais que a idéia seja matizada, quando se propõe estabelecer a distinção entre cidadãos (pessoas) e inimigos (não-pessoas), faz-se referencia a seres humanos que são privados de certos direitos individuais, motivo pelo qual deixaram de ser considerados pessoas, e esta é a primeira incompatibilidade que a aceitação do hostis, no direito, apresenta com relação ao princípio do Estado de direito.Na medida em que se trata um ser humano como algo meramente perigoso e, por conseguinte, necessitado de pura contenção, dele é retirado ou negado o seu caráter de pessoa, ainda que certos direitos (por exemplo, fazer testamento, contrair matrimônio, reconhecer filhos e etc.) lhe sejam reconhecidos. Não é a quantidade de direitos de que alguém é privado que lhe anula a sua condição de pessoa, mas sim a própria razão em que essa privação de direitos se baseia, isto é, quando alguém é privado de algum direito apenas porque é considerado pura e simplesmente como ente perigoso.
A rigor, quase todo direito penal do século XX, na medida em que teorizou admitindo que alguns seres humanos são perigosos e só por isso devem ser segregados ou eliminados, coisificou-os sem dizê-lo, e com isso deixou de considerá-los pessoas, ocultando esse fato com racionalizações escusas.
Certamente o Estado pode privá-lo de sua cidadania, porém isso implica que esteja autorizado a privá-lo da condição de pessoa, ou seja, de sua qualidade de portador de todos os direitos que assistem a um ser humano pelo simples fato de sê-lo. O tratamento como coisa perigosa, por mais que seja ocultado, incorre nessa privação.
Um comentário:
É bom tê-lo de volta.
O texto é bom. Só faltou acrescentar a ressalva do Nilo Batista, no Brasil, e em alguns lugares do mundo, o inimigo do estado são os "punidos e maus pagos". Ou seja, aquele que negaram seu status de pessoa, desde muito antes de adquiri-lo.
O sistema penal, em nossa região Marginal, ela só consolida o que ocorre no nascedouro. Punindo e segregando, aqueles que estão a margem. A prova disso, é o assoberbamento das prisões com pessoas com roubaram "uma bicicleta" e a escassez de pessoas que roubaram, mutilaram e venderam o BRASIL, o país aonde os "punidos e maus pagos" não tem vez. São, desde o inicio, o inimigo do Estado.
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